Devaneios de uma garota trans.

ELA!

Mulher. Transgênero, depressiva, ansiosa, hiperativa, introvertida, as vezes extrovertida, distraída, feliz.
Mulher. Lithoromântica, iludida, apaixonada, fantasiosa, amorosa, carinhosa, feliz.
Mulher. Eu, tu, nós, elas, pessoas, humanas, felizes.
Não importa quem você é, como você é ou quem "escolheu" ser. No fim, somos todos seres humanos e é isso que realmente importa. Cada um tem a liberdade de escolher viver a vida da melhor maneira que lhe convém e cabe a nós tentarmos entender (pelo menos um pouco) a história de cada indivíduo, para que assim possamos aprender a respeitá-los e tratá-los com mais amor, carinho, empatia e novamente é claro, respeito.
Não é difícil se colocar no lugar do outro, nem que seja por um milésimo de segundo. Tentar entender um pouco mais sobre o outro nos ajuda a ampliar nossas mentes a quebrar preconceitos, esteriótipos e até mesmo tabus. Somos amigos, somos irmãos(ãs), somos seres humanos!

Prazer, eu me chamo Gabriela!

Devaneios de uma garota trans.

Cansa.

Cansa. Cansa ter que acordar cedo, ter que trabalhar, ter que estudar, sorrir e fingir para os outros que está bem.
A gente cansa. Cansa de tentar resolver todos os problemas da vida, de se iludir com coisas que nos enchem os olhos e até o coração, de batalhar e suar por algo que tanto queria pra no fim não dar o seu devido valor.
Cansa. Ter que levantar da cama sabendo que o seu dia não é o dos melhores e de deitar de noite e tentar dormir pensando no dia de amanhã sendo que o de hoje só te magoou e lhe fez mal.
A gente cansa. Cansa de respirar, de "apanhar" da vida, de cair e levantar o tempo inteiro após mais uma derrota e aprender algo com aquilo por mais doloroso que seja.
Cansa. Ter que "engolir sapos", ser alvo de críticas e piadas o tempo todo e não ter forças de se defender por estar cansado demais pra isso.
A gente cansa. De ter que mudar quem somos, de mudar os nossos jeitos e gostos, só pra sermos aceitos e/ou menos maltratados pelos outros.
Cansa. Cansa ser chamado de  "diferente", "estranho", "anormal" e não ser compreendido.
A gente cansa. Cansa de tentar explicar as coisas, de falar o que sentimos, de desabafar e até de pensar.
Cansa. Cansa ter que encarar a dura realidade todos os dias, de ouvir da boca dos outros coisas que te magoam e te decepcionam. Cansa não se sentir confortável na própria pele, no próprio corpo e ainda assim ser alvo de julgamentos.
Cansa? Cancer... um mal que acaba com a sua vida, que suga a sua alma, que tira de você, tudo aquilo que você sempre quis e sonhou em ter e ser... um mal que leva embora, sua essência, seu espírito, seu ser... um mal que só deixa pra trás lembranças, boas ou ruins, de um alguém que cansou de viver.

Devaneios de uma garota trans.

E se?

Se eu me apaixonasse por ti, tu se apaixonarias de volta?
Se eu te amasse, tu me amarias de volta?
Se eu dissesse: "Eu te amo", tu olharias nos meus olhos e diria da mesma forma sincera que eu, "eu te amo" de volta?
Se estivéssemos juntos, tu me segurarias e serias honesto e fiel comigo?
Se eu segurasse sua mão, você a seguraria de volta?
Se eu lhe confessasse tudo o que sinto por ti, tu ouvirias? Reagirias bem? Me abraçarias?
Se eu lhe dissesse quem sou? Tu me aceitarias? Me assumirias para todos que estamos juntos? Terias vergonha de mim? Ou me abandonarias?

Devaneios de uma garota trans.

Saudades.

Sinto saudades de quando tudo era mais simples, tudo era mais belo. Os momentos eram mais apreciados e as conversas eram mais reais, mais verdadeiras.
As pessoas se comunicavam mais, olhavam nos olhos uma das outras e sempre que podiam, diziam bom dia, boa tarde e boa noite, com um belo sorriso estampado no rosto.
As pessoas eram mais honestas, mais fiéis, mais reais, mais humildes, mais humanas.
O contato e o carinho pareciam ser mais sinceros, não havia malícias, eram apenas carinhosos, amáveis, não nos faziam sentir medo ou repulsa.
Ninguém tinha medo de dizer "eu te amo" ou de dizer "eu sinto muito" e ninguém tinha medo de errar pois, sabiam que errar é humano e que tudo é um aprendizado.
As pessoas acreditavam mais, perdoavam mais, simpatizavam mais e valorizavam mais, tinham fé e amor pela vida. Mas, as coisas mudam, o tempo voa e a vida escorre como água da chuva.

Devaneios de uma garota trans.

Desabafo de uma garota trans.

Por favor, entenda-me, não me leve a mau.
Lido e convivo com tantos "dêmonios" todos os dias que tudo acaba se tornando extremamente complicado para mim.
Para muitos ainda é muito difícil entender o que é isso, ter que lidar com certas situações em que só você sabe o que sente. Somos vistos muitas vezes como: metidos, que não gostam de se misturar ou socializar com outras pessoas ou ir a certos lugares; como pessoas frescas, por sentirmos demais e não sabermos explicar esses mesmos sentimentos; como pessoas chatas e sem graça, por não querermos ir a certos lugares e fazermos certas coisas como: irmos a um show, uma festa, um evento ou uma padaria que seja.
Somos tarjados como "mimados", "dramáticos", "anti sociais" e ainda temos que ouvir dos outros que ninguém gosta de "gente assim" por perto. Triste, porém real, acontece...
Tento todos os dias melhorar e dar o meu melhor, a não desistir, a continuar, a procurar um sentido, um propósito, talvez uma resposta para tudo o que sinto, questiono e convivo, mas há dias em que o vazio e a dor são tão grandes que tomam todo o meu ser, impossibilitando-me de me mexer, fazer alguma coisa, qualquer coisa, até mesmo respirar. É sufocante, frustrante, torturador, é como se tudo que há em mim escorresse, deixaisse o meu corpo, não restando absolutamente nada, apenas uma "casca": vazia, fria, solitária e machucada em todos os sentidos que você possa imaginar.
Depressão, síndrome do pânico, ansiedade, agorafobia, afefobia, disforia de gênero, transtorno alimentar, síndrome de Tourette, TOC, são alguns dos pequenos grandes "dêmonios" que carrego comigo, em minhas costas, todos os dias, que me fazem duvidar e questionar tudo, tudo mesmo, inclusive a minha própria existência, me levando a ter pensamentos sombrios e nada agradáveis.
Peço compreensão, empatia, paciência, não comigo mas com pessoas que também carregam esses "dêmonios" consigo, que lutam e resistem todos os dias para sobreviver, para continuar existindo. Peço mais amor e acolhimento por essas, que talvez estejam passando por situações semelhantes ou até mesmo piores que a minha. Sejamos mais amigos, sejamos mais humanos. Sejamos luz.

Devaneios de uma garota trans.

Depressão.

Aquilo que você não vê, aquilo que você sente mas não sabe explicar ao certo o que é, aquilo que te cala, que te sufoca, que te perturba. Aquilo que te causa medo, angústia, fobia, ansiedade.
Aquilo que está ali o tempo inteiro, mas que você não consegue perceber. Aquilo que aos poucos vai te consumindo, te "engulindo", até não sobrar mais nada do seu ser. Aquilo que os outros chamam de "frescura", aquilo que os outros não entendem, aquilo que seu vizinho tem mas ninguém se pronuncia em querer ajudá-lo.
Aquilo que matou mais de não sei quantas pessoas, aquilo que mexe com a mente de um jeito intenso. Aquilo que te faz querer saltar de uma ponte, se afogar num rio, se enforcar com a gravata predileta do seu pai, dar um tiro na cabeça e/ou sofrer overdose com medicamentos e álcool.
Aquilo que ainda é um taboo para muitos e que nem tocam no assunto.
Aquilo que tem nome mas que muitos ainda não enxergam. Depressão, pressão constante sofrida pelo seus portadores, a pressão e o sufoco de não poder pedir ajuda, o desinteresse em querer continuar, o vazio que habita o seu lar (corpo). Depressão, um problema sem explicação, que mata com satisfação e habita outro ser, quando o outro já partiu.

Devaneios de uma garota trans.

Hormônios à flor da pele.

8° mês fazendo o uso de hormônios (com acompanhamento médico) e o que eu posso dizer é... que experiência nova, diferente, um pouco estranha porém gostosa. Uma verdadeira aventura de auto conhecimento, uma montanha russa cheia de emoções e sentimentos que se mantinham guardados durante anos dentro de mim.
Mudanças boas e notórias mesmo com pouco tempo de tratamento. Quem diria que eu passaria pela puberdade novamente? Só que dessa vez, do jeito certo, do jeito que faz com que eu me sinta bem, do jeito que me deixa feliz.
Mudanças não só físicas mas também psicológicas (de uma maneira positiva). Passei a entender e a respeitar mais o corpo feminino, a entender certos valores, valores esses que são sempre seguidos e empregados por mulheres fortes e resilientes, guerreiras!
Os seios doem (mas mesmo assim fico feliz), os pêlos diminuem, a pele muda, o cabelo brilha... ahh! Tudo o que posso dizer é que estou feliz! Feliz em poder finalmente ser quem eu sou e mostrar pra vocês que tá tudo bem, que eu continuo sendo eu só que com um "toquezinho" a mais, haha'.
Ainda é cedo pra falar sobre outras coisas, outras mudanças, mas já adianto que estou bem, estou feliz e é isso que realmente importa. Paz!!!

OH HEY, FOR BEST VIEWING, YOU'LL NEED TO TURN YOUR PHONE