Hello Broadway

O espetáculo “Hello Broadway” estreou em 1977, na boate New Aquarius, com direção e produção de Oswaldo Gessner (dono da boate e pioneiro na construção de uma cultura LGBTQI+ em nossa cidade) e coreografia do Rogério Mesquita. O espetáculo trazia performance de artistas transformistas da época interpretando e dublando músicas de grandes divas internacionais: Judy Garland, Marylin Monroe, Doris Day, Shirley Bassey, Barbara Streisand, Diana Ross, Mirelle Mathieu e nossa incrível Carmem Miranda. As artistas responsáveis pelas performances eram: Kiki, Maruse, Vitória, Rogéria, Suzy, Gau, Gina e Simone.

Em matéria publicada no Correio Braziliense sobre o espetáculo em 16 de agosto de 1977, por Irlam Rocha Lima, temos algumas pistas sobre essas artistas que atraíram um enorme público com suas performances. Sabemos que Rogéria era o coreógrafo Rogério Mesquita, que havia estudado com Mercedes Baptista e atuou na difusão internacional do balé afro-brasileiro: "(...) como em Brasília não há oportunidades para bailarinos, acabei participando do Hello Broadway, além de ser o responsável pela coreografia. Como bailarino já me apresentei em 26 países. A Europa eu conheço toda. Aliás, estou indo prá lá novamente. Já integrei grupos de dança, como a companhia Brasil, Carnaval e Samba e os Furacões da Bahia. Sou professor de balé moderno, danças afrobrasileiras, folclóricas e espanhola. Acho que tenho uma bagagem."

A matéria afirma que o cachê dos espetáculos era insuficiente para sua sobrevivência e que as artistas também trabalhavam em outros lugares. Simone diz: "Eu me sinto a própria Marylin Monroe. Quando entro no palco, me transporto para Hollywood. O cachê que recebo é um estímulo, mas não é tudo. Representar sim." Vitória, que também trabalha com maquiagem, relata: "Minha vida sempre foi um palco iluminado. Então eu curto muito este show. Transo o Hello Broadway, como qualquer outro espetáculo, por amor à arte. Não dependo de nada disso para viver. Sou maquiador dos mais conceituados na cidade, portanto... Ah! claro que curto, também, ser tida como sósia da Bethânia, aquela cantora é uma pessoa maravilhosa."

Na reportagem, as artistas manifestam seu amor à performance. “É maaaraavilhoooso.” – relata Maruse - “É a minha realização. Interpretar estas mulheres famosíssimas, estas artistas mitológicas, me fascina. Me emociona. Quinta-feira e domingo são os dias que eu mais curto na semana, justamente, porque nesses dias eu recebo o aplauso, o assovio, o carinho do público, aqui na boate."

É interessante observar que, no campo das artes transformistas, interpretar papéis e bagunçar expectativas de gênero sempre foi uma forma de evidenciar o caráter performático do próprio cotidiano. Observe o relato de Kiki: “Sempre gostei de representar. Mesmo porque, todo mundo anda representando, não é meu bem?" Como diria RuPaul anos depois (aliás, nessa época pequena RuPaul só tinha 16 anos): "we're all born naked and the rest is drag" (todes nós nascemos nus, o resto é drag”).

O espetáculo ficou por meses em cartaz, atraindo multidões para a Aquarius. Para quem não sabe, a Aquarius ficava localizada no Conic, mais especificamente na Galeria Superama Karim, Conjunto Comercial Venâncio IV. Em 1974, Oswaldo Gessner abriu o Aquarius American Bar, ao observar a ausência de espaços de convivência LGBTQI+ em Brasília. Oswaldo, baiano que estudou teatro no Rio de Janeiro, chegou em Brasília em 1972 para trabalhar na criação da associação de servidores do Banco Central. A Aquarius American Bar tornou-se a Boate New Aquarius e, após a decadência da cultura disco, perdeu metade do seu espaço e passou a se chamar, em 2004, “Espaço Galleria”.

Se você assistiu ao espetáculo, possui memórias sobre essa época da New Aquarius ou tem mais informações sobre as artistas citadas, poste seu relato nos comentários e vamos cultivar a memória LGBTQI+ de nossa cidade.

Observação importante: nesse período o termo “travesti” era usado de forma indistinta para se referir tanto à identidade de gênero quanto às artistas transformistas (nos teatros, boates, concursos, clubes operários e carnaval) independentemente da sua identidade. Não é possível, sem um estudo aprofundado biográfico das artistas citadas, identificar qual era a identidade de gênero das artistas.

Fontes:

LIMA, Irlam Rocha. [Fotos de Tadashi Nakagomi] "Hello Broadway (Ou quando os Mitos Hollywoodianos são Travestis Brasilienses)." Correio Braziliense. Segundo Caderno. Ano 1977. Edição 05320 (2). Brasília, 16 de agosto de 1977, p. 21.

LIMA, Irlam Rocha. “'Hello Broadway', um show hollywoodiano.” Correio Braziliense. Segundo Caderno. Ano 1997. Edição 05193 (1) Brasília, 31 de março de 1997, p. 19.

LIMA, Irlam Rocha. “Espetáculo: Rebuliço na Galeria.” Correio Braziliense. Segundo Caderno. Ano 1977. Edição 05232B. Brasília, 21 de maio de 1977, p. 2

Correio Braziliense. Segundo Caderno. Ano 1977. Edição 05231B (1). Brasília, 20 de maio de 1997, p. 29.

Correio Braziliense. Segundo Caderno. Ano 1977. Edição 05232B. Brasília, 21 de maio de 1997, p. 26.

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