Dois em um

Dois passam a ser um
Tal ser maravilhoso a dois
Ao por do Sol um revelado céu
Que somente a luz dos dois é azul

Uma partícula indivisível
Que só aos olhos do amor se vê
Que aos amargos é invisível
São dois em um; ambos num ser

Felicidade que só a dois existe
Que é única diante de toda a diversidade
Que não enxerga a multidão que existe
Pois um sem o outro, sua única parte só pode ser triste

Como um só, são o artista e a arte
Partes de uma única parte
Um sem o outro se dão ao desastre
Descarte de todas as cores da emoção

O amor em sua bela ambiguidade
De se decifrar em nenhuma parte
Sendo um único código binário
Partidário da união de diferentes

O amor único a fundir dons hereditários
Não quer se dar ao mundo vário
Quer fundir ao outro todo o seu querer
Se dá no então onde dois são um único bem querer

O amor que faz do sozinho um não solitário
Conexão pura entre Pólen e Flor
Muda o humano mais precário,
Germina no peito mais mundano

Se faz o amor em corações inundados
Quão flor em meio ao alagadiço
Defaz padrões e torna justo o pecado
Quando dois são um há a amnésia da mais íntima dor

Quanto feliz não se sabe ser
Sendo a parte que só sabe a outra pertencer
Sem saber outra qualquer graça em viver
Se entrega e se íntegra ao outro dela

Dois estão unicamente um para outro
Como não se vê em nenhum teorema
Mesmo com lua de mel em Athenas
Encontram em Roma o seu anagrama

Quatro braços de um único abraço
Dispensa um conjunto de variáveis por um único beijo
Unidades diversas se tornam um só desejo
Quando dois são o mesmo e mais do que só dois

Fernando Pessoa
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